terça-feira, 13 de março de 2012

PATOLOGIA/CITOLOGIA

HIPOGLICEMIAS – ASPECTOS MOLECULARES

Conceito e importância –

    As hipoglicemias podem ocorrer em qualquer fase da vida mas é no período neonatal que assume particular importância em virtude do sistema nervoso central estar em desenvolvimento e ser bastante sensível a níveis baixos de glicemia. Um primeiro grande desafio para o metabolismo é o momento em que se interrompe o fluxo sangüíneo materno-fetal, seccionando-se o cordão umbilical. Um recém-nascido, com reservas energéticas limitadas, vê-se diante do desafio de manter seus níveis glicêmicos por conta própria, abruptamente e não são incomuns os episódios hipoglicêmicos, muitos temporários, nesse período de vida. 
    Os complexos eventos envolvidos na manutenção da euglicemia devem estar coordenados e, quanto menor a idade, maior a urgência em se resolver um episódio hipoglicêmico e evitar sua recidiva. Num recém-nascido, o cérebro responde pela maior parte das necessidades energéticas e a entrada de glicose na célula cerebral se faz através de um carreador, pertencente à família dos transportadores de glicose (GLUT- glucose transporter). A entrada de glicose no cérebro não depende de insulina mas da concentração sérica de glicose.
    Tem havido certo debate quanto aos níveis glicêmicos que definem hipoglicemia, mas tem se aceito que, num recém-nascido, glicemias inferiores a 40mg/dL e, em crianças maiores uma concentração inferior a 50mg/dL caracterizam hipoglicemia. No entanto, quando se trata uma hipoglicemia, o nível mínimo que devemos manter é de 60mg/dL, sempre no sentido de se estar protegendo o órgão mais vulnerável a baixa glicêmica – o sistema nervoso central (SNC).
    Basicamente, o equilíbrio entre a produção de insulina e de seus hormônios contra-reguladores, a disponibilidade e a adequada mobilização de substratos energéticos, bem como o papel dos transportadores de glicose determina a manutenção de concentrações glicêmicas adequadas ao adequado funcionamento do organismo, evitando danos ao SNC.

Hiperinsulinismo congênito –

    A primeira descrição de hiperinsulinismo foi feita por Laidlaw em 1938, que utilizou o termo nesidioblastose. Tal terminologia foi posteriormente substituída por hipoglicemia hiperinsulinêmica, hipoglicemia hiperinsulinêmica persistente da infância, hiperinsulinismo infantil e hiperinsulinismo congênito
    O hiperinsulinismo congênito (HC) é a forma de hipoglicemia persistente em neonatos e lactentes mais freqüente e mais difícil de tratar. Estima-se que ocorre em 1 de cada 50000 nascimentos mas, em comunidades fechadas, com muitos casamentos consangüíneos, esta incidência pode aumentar muito (na Finlândia, ocorre em 1:3200). Foi somente na última década que novos conhecimentos fisiopatológicos, envolvendo os mecanismos de regulação de liberação de insulina, foram mais bem compreendidos, abrindo caminho para tratamentos mais racionais, se bem que ainda a alternativa de pancreatectomia total, com todas as suas conseqüências a longo prazo, tem sido utilizada em alguns casos em que se comprova que o tratamento clínico não consegue controlar o quadro.
    A primeira descrição de um caso de hipoglicemia neonatal foi feita por Hartmann e Jaudon em 1937
Mas o quadro não foi atribuído a hiperinsulinismo mas a uma falha de adaptação à vida extra-uterina, após a parada abrupta, pela secção do cordão umbilical, do fornecimento de nutrientes para o feto. Foi somente nas décadas de 1970 e 1980 que o conceito de hiperinsulinismo foi proposto e gradualmente aceito. O HC representa um grupo heterogêneo, tanto do ponto de vista clínico, genético, morfológico e funcional. Isto inclui uma grande variabilidade na idade de início, gravidade e resposta terapêutica.
    A terminologia que estamos utilizando atualmente também é confusa, pois hiperinsulinismo pode dar a idéia de que sempre temos um quadro de insulinemia elevada, o que não é verdade. De fato, a insulinemia está elevada para uma determinada concentração sérica de glicose, configurando uma verdadeira secreção inapropriada de insulina para as concentrações glicêmicas do momento.

Determinantes iônicos e metabólicos da liberação de insulina –

    A célula beta, com seu sistema sensor das concentrações glicêmicas, regula a abertura ou o fechamento dos canais de potássio, sensíveis a ATP (K ATP) e, com isso regula a liberação de insulina. A sua função determina tanto a “primeira fase” da liberação de insulina como a “segunda fase”. Quando a célula beta não está estimulada (não haverá liberação de insulina), os canais de potássio encontram-se abertos e o potencial de membrana nessa fase de repouso é de -65mV. Nesse estado de repouso da célula beta, a relação ATP/ADP intra-celular é baixa. 
    Conforme ocorre captação e metabolismo da glicose pela enzima glicoquinase e pela atuação mitocondrial, a relação ATP/ADP aumenta provocando o fechamento do K+ATP. Nas células beta, a glicose induz a um decréscimo da concentração de ADP de 30%, resultando no aumento da relação ATP/ADP. Com o fechamento do K+ATP, despolariza-se a membrana celular , com a abertura dos canais de cálcio, voltagem-dependentes, o que resulta na entrada de Ca2+ para o interior da célula, iniciando-se o processo de liberação de insulina por exocitose dependente de Ca2+(Figuras 1 e 2). Esses eventos respondem pela “primeira fase” da liberação de insulina, ou seja, a liberação de uma insulina já sintetizada e armazenada no interior da célula beta. 
    A ativação do K+ATP também determina a “segunda fase” da liberação de insulina, com aumento gradual e potenciação da liberação de insulina disparada por Ca2+ , um processo que possibilita a preparação de grânulos ainda não prontos para liberação, transformando-os em grânulos aptos a entrarem no processo de exocitose. Este processo é chamado de amplificação e aumento e, incorretamente, tem sido referido como independente de K+ATP. O mecanismo molecular preciso através do qual o metabolismo de glicose aumenta a sinalização distal ainda não é plenamente compreendido mas vários fatores acoplados tem sido propostos, tais como o aumento da relação ATP/ADP e GTP/GDP, concentrações citosólicas de acyl-coenzima A de cadeia longa, a via piruvato-malato e a saída de glutamato da mitocôndria. Também parece ter papel a estimulação de proteinoquinases A (PKA) e C (PKC), o sistema de quinase II dependente de Ca2+ /calmodulina (CaMKII), como ocorre durante a exposição a hormônios, neuropeptídeos e neurotransmissores (alguns dos quais conhecidos coletivamente como incretinas) e do próprio Ca2+ . Há evidências implicando nesse processo de amplificação os receptores acoplados a proteína G (GPCR) e é através desses receptores que incretinas como o GLP-1 (glucagon-like peptide 1) podem atuar e promover a liberação de insulina pela célula beta.

Figura 1 – Visão geral da regulação da liberação de insulina por uma célula beta normal, de acordo com os nutrientes que são transportados ao seu interior. GK – glicoquinase; GDH- Glutamato desidrogenase; FFA- ácidos graxos livres; – canais de cálcio, dependentes de voltagem. (Modificado de Doliba NM e Matschinsky FM, 2003)

    Além da estimulação da secreção de insulina pela glicose, aminoácidos (particularmente leucina) podem também liberar insulina, através de ativação alostérica da glutamato desidrogenase (GDH) que converte glutamato em alfa-ceto glutarato levando a aumento de ATP. 
    Há evidências de que defeitos em genes que codificam os canais K+ATP podem causar tanto hiperinsulinismo como diabetes mellitus tipo 2 (doença do canal KATP) enquanto defeitos em outras proteínas que controlam o metabolismo de glicose (metabolopatias do canal de KATP) levam a fechamento ou a abertura do canal, com hiperinsulinismo ou reduzida liberação de insulina, respectivamente.

Figura 2- Regulação neuroendócrina e ação de drogas na liberação de insulina pela célula beta. Ach- acetil colina; p – diferença de potencial protônico; PKA- proteíno quinase A; PKC- proteíno quinase C; PLC- fosfolipase C; DAG- diacil glicerol; IP3 - trifosfato de inositol; GLP-1 – peptídeo glucagon-símile 1; Gs- subunidade estimuladora da proteína G; Gi – subunidade inibidora da proteína G; Gq – subunidade quiescente da proteína G. (Modificado de Doliba NM e Matschinsky FM, 2003).

O Canal de Potássio (K+ATP )

    Desde 1940 sabe-se que a ligação de sulfoniluréia a um receptor da membrana da célula beta pode desencadear a secreção de insulina. Em 1995 foi clonado o receptor de sulfoniluréia (SUR1) que, quando expresso juntamente com uma subunidade do canal de potássio (Kir6.2) dava origem ao canal de potássio (K+ATP). O canal de potássio é formado pr um octâmero que consiste em quatro subunidades Kir6.2 que gera um poro e quatro subunidades SUR1. Tanto SUR1 como Kir6.2 estão localizados no cromossomo 11 (11p15.1). Mais de 50 mutações em HC foram identificadas nos genes SUR1 e Kir6.2. (Figura 3)

Figura 3 - Representação esquemática da localização do canal de potássio na membrana celular, com seus componentes SUR1 e Kir6.2, formando octâmeros. Em círculos representamos as principais mutações descritas em ambos os componentes do canal de potássio. NBF- dobras de ligação de nucleotídeos (Modificado de Huopio et al, 2002).

O papel da glicoquinase e da glutamato desidrogenase –

    A glicoquinase (GCK) é uma enzima com 465 aminoácidos (peso molecular de 52191Da) que cataliza a fosforilação de glicose em glicose-6-fosfato (G6P) e é codificada por um gene no cromossomo 7 (7p15.3-15.1) constituído por 12 exons (~45168bp) . Expressa-se no pâncreas, fígado e cérebro. Joga um papel crucial na regulação da secreção de insulina e, devido à sua cinética, tem sido chamada de “sensor da célula beta”. Numa faixa de concentrações de glicose que vai de 72 a 270mg/dL a célula beta pode mudar a taxa de fosforilação de glicose e isso se deve a características cinéticas da enzima : a GCK tem baixa afinidade por glicose (ela está 50% ativada entre 144 e 180mg/dL), apresenta cooperativismo com glicose e não é inibida pelo seu produto G6P. Mutações no gene da GCK pode levar a hiper ou a hipoglicemia : mutações inativadoras em heterozigose causam um subtipo de MODY (maturity-onset diabetes of the Young), uma forma leve de diabetes, com herança autossômica dominante (efeito dominante negativo). Mutação inativadora em homozigose causa um fenótipo bem mais grave, presente já ao nascimento como diabetes mellitus neonatal permanente. Por outro lado, mutações ativadoras em heterozigose causam hipoglicemia. 
    Até 2003, quatro mutações ativadores em heterozigose foram descritas (V455M, A456V, T65I e W99R)) que levam a hipoglicemia.Nestas duas últimas mutações descritas, as concentrações de insulina, embora inapropriadamente altas para a glicemia, permanecem reguladas por flutuações glicêmicas e a histologia pancreática é normal. 
    A glutamato desidrogenase (GLUD) participa na conversão de glutamato a alfa-ceto-glutarato. Mutações ativadoras transmitidas por herança autossômica dominante, levam a aumento de liberação de insulina pela célula beta pancreática, ao mesmo tempo em que altera a destoxificação de amônia pelo fígado, caracterizando a síndrome do Hiperinsulinismo-Hiperamonemia: a aumentada atividade da glutamato desidrogenase acaba diminuindo a concentração de glutamato, que é um substrato essencial para a formação de N-acetil-glutamato , um estimulador alostérico da carbamoil fosfato sintetase. Reduzindo-se a carbamoil fosfato sintetase, acumula-se amônia por inibição do ciclo da uréia. 
    A hipoglicemia nesses pacientes costuma ser menos grave quando comparada aos pacientes com mutações nos genes do canal de potássio: peso normal ao nascimento, hipoglicemia de início mais tardio, boa resposta ao diazóxido e, pelo fato de a GLUD ser estimulada por aminoácidos, esta hipoglicemia pode ser desencadeada por ingestão protéica. Como leucina é um dos aminoácidos envolvidos , esta forma de hipoglicemia já foi chamada de leucino-induzida.

Procurando o gene da hipoglicemia –

    Na última década, tem havido notável progresso no esclarecimento da genética molecular do hiperinsulinismo congênito. Mutações em quatro genes diferentes foram identificadas : gene do receptor de sulfoniluréia na célula beta (ABCC8); gene codificando o Kir6.2 na célula beta (KCNJ11); gene da glicoquinase (GCK) e o gene da glutamato desidrogenase (GLUD1). Além disso, o HC pode ser causado por lesão pancreática adenomatosa focal, que surge devido a uma mutação em um dos alelos do gene do receptor de sulfoniluréia associado a um mecanismo de perda de heterozigosidade. Uma outra causa de HC poderia ser umab mutação levando a deficiência de glucagon, como é sugerido numa irmandade de quatro crianças, duas das quais faleceram no período neonatal. Estudos posteriores desta mesma irmandade, realizados por Molven et al sugerem que se tratava de hiperinsulinismo, mas a procura por uma mutação gênica ou alteração de algum fator de transcrição foi negativa. 
    O desenvolvimento pancreático depende de uma cascata de fatores de transcrição que operam em diferentes níveis: inicialmente, definem a região do endoderma intestinal que formará o órgão; a escolha das células que formarão o pâncreas exócrino e endócrino e finalmente, a separação das populações celulares específicas que produzirão cada um dos hormônios pancreáticos. Muitos desses fatores de transcrição continuam sua expressão no pâncreas maduro, onde participam da regulação da transcrição gênica, sendo o gene da insulina um bom exemplo desta atividade.
    Atualmente, sabemos que a mutação de fatores de transcrição pode levar a doenças hereditárias, sendo o MODY (maturity-onset diabetes of the young) um bom exemplo: pelo menos cinco mutações em diferentes fatores de transcrição expressos na célula beta já foram descritas. Os defeitos genéticos do MODY caracterizam-se por perda de função e efeito dominante negativo, que resulta em reduzida secreção de insulina. É razoável supor-se, por outro lado, que mutações ativadoras podem causar hiperinsulinismo. 
    Outros fatores de transcrição candidatos podem ser escolhidos pelo seus efeitos na expressão dos genes da isulina e/ou do glucagon. Três membros da família de fatores nucleares hepatocitários (Hnf- hepatic nuclear factors) são bons candidatos : ratos deficientes em Hnf-3 nascem fenotipicamente normais e desenvolvem hipoglicemia grave e persistente logo após o nascimento; ratos em que se inativa o Hnf-3ß apresentam gastrulação comprometida e a inativação tecidual do gene na célula beta pancreática leva a hipoglicemia e hiperinsulinismo; ratos homozigóticos para mutação do Hnf-3 não mostram alteração fenotípica ao nascimento mas o jejum induz hipoglicemia devido a reduzida expressão de um transportador de glicose.
Um outro foco de pesquisa para o gene ou genes da hipoglicemia poderia estar nos sistemas de convertase: tanto insulina como glucagon são sintetizados como pró-hormônios e são processados por membros de uma família de proteínas chamada proproteína-convertase semelhante a subtilisina ou simplesmente pró-hormônio convertase. Ratos em que se inativa a pró-convertase 2 nascem fenotipicamente normais mas desenvolvem grave hipoglicemia de jejum. Por outro lado, alterações em genes que regulam a degradação da insulina e glucagon poderiam estar envolvidos, tais como as enzimas que degradam insulina e a dipeptidil peptidase IV, que degrada o GLP-1 (glucagon-like peptide 1). 

Os transportadores de glicose – 

Tabela 1- principais transportadores de glicose (GLUT), sua distribuição tecidual, localização no genoma e grau de regulação pela insulina

NomenclaturaDistribuição tecidualLocalização genômicaGrau de regulação por insulina
Glut 1Tecidos adultos e fetais, abundante nos eritrócitos, placenta e microvasculatura cerebral1p35-31.3Nenhum a mínimo
Glut 2Fígado, células beta pancreáticas, rins, intestinos3q26Nenhum a mínimo
Glut 3Tecidos adultos e fetais; abundante em placenta, cérebro e rins12p13Nenhum
Glut 4Gordura amarela e marrom, músculo esquelético, coração17p13Dependente de insulina
Glut 5Jejuno, gordura, rins1p31Nenhum
Glut 6 (pseudo gene -relacionado ao Glut3)Cérebro, jejuno, placenta, gordura, rins5q33-35Nenhum
Glut 7 (relacionado ao Glut2)Microssomos hepáticos?Nenhum a mínimo

Correlações clínicas entre mutação e doença –

    Como os canais de potássio são formados como octâmeros, consistindo de quatro subunidades Kir6.2 e quatro SUR1, o grau de dominância de cada mutação pode redundar em graus diferentes de alterações funcionais nessa estrutura octamérica. Em casos em que a célula beta de pacientes que sofreram pancreatectomia total tem se verificado uma completa inibição da atividade do K+ATP , o que leva a despolarização constitutiva da membrana e ativação dos canais de Ca2+ voltagem dependentes e, independentemente da glicemia, ocorre liberação de insulina levando a graves hipoglicemias. 
    Em comunidades fechadas, é possível um estudo das correlações fenótipo-genótipo e, na Europa, está se montando um banco de dados integrando aspectos clínicos, genético-moleculares, histopatológicos e eletrofisiológicos que poderá permitir, a partir da mutação, prever-se o fenótipo e a necessidade de tratamento clínico medicamentoso ou cirúrgico, com ressecção pancreática quase total.
    Dependendo da base genética da população em estudo, uma determinada mutação pode resultar em fenótipos diversos. No Japão, mutação do SUR1 responde por cerca de 20% dos casos de HC enquanto em judeus Ashkenazi, duas mutações isoladas respondem por 90% dos casos. A mutação no sítio de splice 3992-9ga é detectada em 70% dos judeus Ashkenazi, levando a expressão fenotípica variável: a maior parte dos pacientes que são homozigotos para esta mutação apresentam uma doença grave, resistente a drogas enquanto outros apresentam hiperinsulinismo leve. A diferença fenotípica deve decorrer da interação com outros genes que podem modificar o fenótipo.
    Duas mutações no gene SUR1 associam-se a mais da metade dos casos na Finlândia e cada uma delas restringe-se a uma área geográfica do país.A mutação V187D, localizada no domínio transmembrana do SUR1, leva a HC grave e de início precoce. Apresenta incidência de 1:3200 e localiza-se, geograficametne, na região central da Finlândia. A doença apresenta o mesmo fenótipo quer na forma homozigótica ou formando heterozigotos compostos (haveria, concomitantemente, uma segunda mutação). Já os heterozigotos (pais, irmãos) são assintomáticos, apresentam secreção de insulina normal, sensibilidade tecidual a insulina normal e não há secreção inapropriada de insulina durante uma hipoglicemia. O estudo da célula beta dos pacientes homozigotos para a mutação V187D mostram a perda de função do canal de K+ATP, não responsivo a diazóxido ou a somatostatina.
    A mutação dominante SUR1(E1506K) associa-se a um fenótipo deiferente pois todos os pacientes apresentam uma forma leve de HC que pode ser tratada com diazóxido. Em estudos com oócitos de Xenopus, verifica-se que apesar da natureza dominante desta mutação, ela não exerce efeito dominante negativo quando expressa juntamente com o alelo selvagem. Em estudos em portadores da mutação SUR1(E1506K) verifica-se que, a longo prazo, ela causa deficiência de insulina e diabetes mellitus.
    Se a mutação do canal de K+ATP ocorrer juntamente com a perda de alelos maternos na região de imprinting 11p15, a forma de hiperplasia adenomatosa focal (HC focal) se desenvolve. Essas formas focais parecem ser geneticamente mais homogêneas que as formas difusas de HC e estão ligadas a mutação do gene do canal de K+ATP em dois terços dos casos. A perda dos alelos maternos incluem os genes SUR1 e Kir6.2 (que não sofrem imprinting) e os genes supressores tumorais H19 e P57KIP2 ao lado do IGF-II do lado paterno, que joga um papel importante na tumorigênese pancreática. O desequilíbrio entre os genes supressores tumorais e o IGF-II leva a hiperplasia focal de células beta, enquanto o restante do pâncreas apresenta histologia normal. A importância da detecção de formas focais está na possibilidade de ressecções parciais, deixando-se pâncreas funcionante e evitando-se a seqüela do diabetes mellitus a longo prazo nas extensas ressecções do órgão.

Conclusões –

    Na última década, muito se tem aprendido com relação a uma das causas mais importantes de hipoglicemia, atualmente chamada de hiperinsulinismo congênito. A dificuldade de tratamento de alguns casos leva, muitas vezes, à opção por uma abordagem cirúrgica mutiladora, retirando-se a quase totalidade do pâncreas e, ainda assim, o quadro hipoglicêmico pode persistir. O conhecimento atual permite uma abordagem melhor e a tentativa maior é evitar-se a pancreatectomia, que acabará levando ao diabetes mellitus como seqüela a longo prazo. A caracterização de formas focais permite uma abordagem cirúrgica mais específica, retirando-se apenas a região acometida, preservando o tecido pancreático restante. Ainda em metade dos casos não se consegue uma correlação com alguma mutação conhecida, acreditando-se que, com o evoluir do conhecimento sobre a fisiologia da secreção de insulina e sua regulação, abordagens mais dirigidas e, certamente, novas drogas, aumentarão o arsenal terapêutico e permitirão que se possa tratar sem seqüelas, todo paciente que apresente hipoglicemia.

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