terça-feira, 27 de março de 2012

ESPODILOARTROPATIAS JUVENIS


Espondiloartropatias juvenis 


INTRODUÇÃO 


As artrites idiopáticas juvenis (AIJ) constituem o segundo grupo mais comum de doenças reumáticas na infância e na adolescência em países subdesenvolvidos, onde a febre reumática tem uma prevalência muito grande, diferentemente dos países desenvolvidos, onde ela é rara e as AIJ constituem a principal causa de enfermidade neste grupo etário. A AIJ é uma artrite crônica de início em menores de 16 anos e que pode acometer uma ou várias articulações. Seu diagnóstico é eminentemente clínico, devendo ser excluídas enfermidades infecciosas, neoplásicas, hematológicas e outras doenças reumatológicas.

As espondiloartropatias juvenis (EAS) estão sendo reconhecidas e diagnosticadas com maior freqüência, sendo incluídas neste grupo a espondilite anquilosante juvenil (EAJ), a síndrome de Reiter e outras artrites reativas e as artropatias associadas às doenças inflamatórias intestinais(1). A maioria dessas enfermidades preenche os critérios para artrite associada a entesite da nova classificação das AIJ(2), já que entesite é uma manifestação freqüente destas enfermidades na faixa etária pediátrica (Tabela 1).




ESPONDILITE ANQUILOSANTE JUVENIL 

A espondilite anquilosante (EA) surge como o fim do espectro de uma doença cujo início é representado por síndromes constituídas por artrite periférica, comprometimento axial, entesopatia 

(acometimento das enteses, como será relatado adiante) e/ou manifestações extra-articulares, com ausência de anticorpo antinuclear (AAN) e fator reumatóide, mas com uma freqüência aumentada da presença do antígeno HLA B27(3). Uma das questões polêmicas na sua história natural é a porcentagem de crianças e adolescentes com estas queixas anteriores, muitas vezes vagas ou frustras, freqüentemente semelhantes a quadros de espondiloartropatias indiferenciadas, que evoluirão para EAJ. O acometimento articular periférico consiste, na maioria das vezes, em uma oligoartrite assimétrica envolvendo principalmente os membros inferiores. O acometimento axial é mais tardio, surgindo como uma lombalgia de características inflamatórias, ou seja, melhora com movimentos e piora com o repouso, além da sacroileíte, que se manifesta como dor na região glútea. As alterações radiológicas da EA geralmente não surgem na adolescência. Alterações laboratoriais como anemia normocítica, normo ou hipocrômica, leucocitose, trombocitose, aumento das proteínas de fase aguda e hipergamaglobulinemia estão associadas à atividade da doença(4,4A,5,5A).


ENTESOPATIA 

Entesite, ou seja, a inflamação das enteses, que são a parte final do tendão, que o liga aos ossos, ocorre principalmente nos membros inferiores: cabeças dos metatarsianos, base do quinto metatarsiano, inserção da fáscia plantar e do tendão-de-aquiles no calcâneo, tuberosidade anterior da tíbia, posições 10, 2 e 6h da patela, grande trocanter, sínfise pubiana, cristas ilíacas e espinha ilíaca ântero-superior. A limitação dos movimentos da coluna vertebral é avaliada pela realização plena ou não dos movimentos dos diferentes segmentos da coluna e pela aferição seqüencial da anteversoflexão da mesma (teste de Shober modificado para crianças)(6,7).

O tratamento medicamentoso inicial da entesite e da EAJ é feito com antiinflamatórios não-hormonais (AINH), a fim de suprimir a dor e a inflamação, permitindo, então, a realização de exercícios de fisioterapia. Mais freqüentemente utilizamos ácido acetilsalicílico (80-100mg/kg/dia em três a quatro tomadas), naproxeno (10-20mg/kg/dia em duas tomadas), ibuprofeno (20-40mg/kg/dia em três a quatro tomadas), mas é a indometacina (1-3mg/kg/dia em duas a quatro tomadas) que parece apresentar a melhor resposta nas espondiloartropatias. A sulfassalazina (SSZ) na dose de 40-60mg/kg/dia parece também ser boa opção para o tratamento da EA, embora não pareça atuar como droga modificadora de doença em relação à prevenção da anquilose de coluna vertebral ou de erosões articulares. O uso de corticosteróides por via oral, intra-articular, diretamente nas enteses ou tópico (uso oftalmológico) pode eventualmente se fazer necessário, assim como também poderá haver indicação de outras drogas imunossupressoras e agentes biológicos como os anti-TNF (infliximab e etanercept)(7A). Terapias física e ocupacional precoces são extremamente importantes na manutenção ou para a recuperação de movimentos, força muscular, boa postura, posição funcional das articulações envolvidas nesses pacientes. Não devemos esquecer o apoio psicossocial e educacional aos adolescentes e as suas famílias, além de uma orientação profissional.


DOENÇA INFLAMATÓRIA INTESTINAL 

O comprometimento articular das doenças inflamatórias intestinais (colite ulcerativa ou enterite regional) pode ser definido como uma artrite não-infecciosa, ocorrendo antes ou durante o seu curso em cerca de 20% dos casos(8). É considerada a manifestação sistêmica mais freqüente. Parece haver incidência maior nas crianças com doença mais extensa no tubo digestivo. O acometimento articular pode ser periférico ou axial, este último menos freqüente e usualmente relacionado à presença do antígeno HLA B27. Existe predominância do sexo masculino (4:1) nas formas com comprometimento axial, mas predomina o sexo feminino (1,2:1) nas formas que cursam com artrite periférica. Há associação familiar entre as doenças inflamatórias intestinais (DII) e as outras EAS. A sacroileíte pode ser assintomática, mas freqüentemente manifesta-se com dores na região glútea, podendo acompanhar-se de lombalgias inflamatórias e entesites. O acometimento axial não está relacionado à atividade da doença de base. O acometimento periférico geralmente se dá como uma oligoartrite assimétrica de membros inferiores de duração de quatro a oito semanas e que pode ter recorrência em surtos, geralmente associados à atividade da doença de base. Outras manifestações musculoesqueléticas abrangem poliartralgias, mialgias e osteoartropatia hipertrófica. As lesões mucocutâneas mais freqüentemente associadas às DII são as úlceras orais, o eritema nodoso e o pioderma gangrenoso, ligadas ao comprometimento articular periférico. Os sintomas gastrintestinais e constitucionais (diarréia, dor abdominal, perda de peso, fadiga, febre) costumam preceder o quadro articular em anos e, mais raramente, o acometimento é simultâneo ou precedido de artrite. Uveíte aguda ocorre raramente. O laboratório mostra anemia importante, hipoproteinemia, elevação das proteínas de fase aguda e fator reumatóide e AAN negativos. O controle da doença de base geralmente leva à melhora do quadro articular periférico, sendo indicado, pois, o uso de corticosteróide ou sulfassalazina. Eventualmente poderá ser usado um antiinflamatório não-hormonal (AINH), até ser dominada a inflamação intestinal. A indicação de colectomia associa-se à doença intestinal, e não à intenção de neutralizar o comprometimento articular. Como o comprometimento axial independe da atividade inflamatória intestinal, mesmo com o controle da doença base esses sintomas podem persistir, sendo então indicados AINH e terapia física(6,8).


ARTRITES REATIVAS 

Artrite reativa é aquela que ocorre, geralmente, uma a quatro semanas após a infecção sem que, no entanto, o agente responsável pela infecção inicial esteja presente nas articulações. Muitas vezes o organismo que iniciou o processo imunológico pode ser identificado, quer sorologicamente quer por culturas de secreções de órgãos inicialmente comprometidos. Eventualmente o comprometimento articular pode ser simultâneo ou mesmo preceder o quadro agudo de algumas doenças infecciosas. A denominação clássica de síndrome de Reiter (SR) é reservada para as artrites reativas que cursam com a tríade artrite, conjuntivite e uretrite, mas a tendência atual é chamar esses quadros apenas de artrites reativas. Como em adultos, existe uma predominância de casos no sexo masculino(6).

Na faixa etária pediátrica, as artrites reativas associam-se mais freqüentemente às infecções gastrointestinais por bactérias gram-negativas, como Salmonella typhimurium, Shigella flexneri, Campylobacter jejuni, Yersinia enterocolitica e Yersinia pseudotuberculosis(9). Artrites reativas relacionadas às doenças sexualmente transmissíveis (Chlamydia trachomatis, Mycoplama hominis, Ureaplasma urealiticum) são menos freqüentes em crianças, mas podem ser observadas nos adolescentes com vida sexual ativa. O quadro clínico articular é, em geral, agudo, muito doloroso, mas autolimitado, manifestando-se como uma oligoartrite assimétrica, principalmente de membros inferiores, e entesite. Algumas vezes o quadro articular pode ser recorrente ou persistente. O comprometimento axial, quando ocorre, pode manifestar-se inicialmente por conta de entesite na coluna, embora evolução como EA não costume ocorrer na infância, apenas mais tardiamente. O laboratório é inespecífico. A maioria das crianças responde bem aos AINH. Eventualmente, pode-se lançar mão de outras drogas como corticosteróides, sulfassalazina, metotrexato ou azatioprina. Não há evidências de que a antibioticoterapia em crianças, nos casos relacionados aos enteropatógenos, altere o curso e a evolução do quadro articular. Em adolescentes, em relação às doenças sexualmente transmissíveis, os antibióticos parecem alterar o quadro agudo das artrites reativas, mas não há dados sobre a sua influência no curso da doença a longo prazo. O curso das artrites reativas e da SR é usualmente autolimitado e o prognóstico, bom(9,10).


ARTRITE PSORIÁSICA 

A artrite psoriásica juvenil (APsJ), definida como artrite crônica, surge antes dos 16 anos de idade e está associada a lesões cutâneas de psoríase. Como às vezes o quadro articular pode anteceder em anos a psoríase, freqüentemente essas crianças recebem o diagnóstico errôneo de AIJ ou EAJ. Para facilitar a identificação precoce da doença, mesmo na ausência de lesões cutâneas, Southwood et al. (1989) propuseram critérios para o diagnóstico definitivo ou provável, que ficaram conhecidos como os critérios de Vancouver(11) (Tabela 2). Embora classicamente a APsJ esteja classificada no grupo das espondiloartropatias, atualmente é considerada uma entidade à parte, conforme visto na nova classificação das artrites idiopáticas da infância.




Os quadros de artrite psoriásica do adulto são subdivididos classicamente, pelo seu modo de início, em pauciarticular assimétrico (mais freqüente), artrite simétrica (semelhante à AR), artrite com predomínio do acometimento de interfalangianas distais (IFD), acometimento axial e artrite mutilante. As crianças e os adolescentes têm uma distribuição relativa semelhante à dos adultos, embora apresentem mais superposições em relação aos diferentes subtipos. A forma de início mais freqüente também é a pauciarticular assimétrica de grandes ou pequenas articulações que, no seu curso, vai tornar-se poliarticular na maioria das vezes. O tratamento consiste no uso de AINH, corticosteróides e/ou metotrexato, eventualmente sendo indicados outros imunossupressores(12).

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