domingo, 22 de janeiro de 2012

O CÉREBRO E AS DROGAS PARTE 1

O Cérebro e as Drogas 


Introdução

Em virtude da sua grande afinidade pela água, logo após ter sido absorvido, o álcool difunde-se rapidamente por todo o organismo afetando o funcionamento de todos os sistemas orgânicos, mas o seu efeito sobre o Sistema Nervoso Central é o que lhe confere a característica de Droga Psicoativa da mesma forma com que são chamadas as outras drogas lícitas como os tranqüilizantes, anfetaminas e o tabaco, ou ilícitas como a cocaína, a heroína, e a maconha, sejam elas de uso terapêutico ou de uso recreacional.
Como a dependência por estas drogas já constava da Classificação Internacional de Doenças em sua sexta revisão de 1.948 sob o título de Toxicomanias e o alcoolismo era considerado apenas por sua participação na etiologia de outras doenças, podia-se esperar uma distinção de valores entre essas morbidades, de todo inconveniente sob os pontos de vista político, social, técnico-científico e médico. Tal situação levou o Comitê de Expertos em Higiene Mental da Organização Mundial de Saúde a criar um Subcomitê de Alcoolismo em 1.950, para estudar e resolver o assunto.
Nessa oportunidade foi convidado o Prof. E. M. Jellinek como consultor de alcoolismo, então uma pessoa bem relacionada com Alcoólicos Anônimos (em 1.945 publicara um livro sobre alcoolismo contendo um depoimento de Bill W., co-fundador do AA), que desde seus primórdios adotara o modelo-doença para essa patologia.

O cérebro e as drogas - ilustração 
O resultado inicial desse trabalho foi divulgado pela Série de Informes Técnicos - No. 42 da Organização Mundial de Saúde e publicado pela Oficina Sanitária Panamericana (Publicações Científicas No1, Julho, 1.953). A Conferência Internacional para a Sétima Revisão da Classificação Internacional de Doenças foi realizada em Paris sob os auspícios da OMS em Fevereiro de 1.955 mas, de acôrdo com uma recomendação da própria OMS, sugerida pela Comissão de Peritos sobre Estatísticas de Saúde, esta revisão foi limitada às mudanças essenciais e de erros e alterações inconsistentes. Enfim, foi o alcoolismo classificado como doença pela Oitava Conferência de Revisão, convocada pela OMS, reunida em Genebra, de 06 a 12 de Julho de 1.965, a qual teve por critério de classificação de doenças, sempre que possível, a etiologia, ao envés de uma manifestação particular.  
Em 1.977, por sugestão de Griffith Edwards (WHO offset publication n.32), o alcoolismo foi relacionado como uma Síndrome, ao lado das outras drogas causadoras de dependências químicas. Efetivamente, os transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de drogas possuem características comuns que permitem a sua reunião em um só título. Dessa forma, a Classificação Internacional de Doenças em sua décima revisão, de 1.994, apresenta critérios para diagnóstico de abuso e dependência comuns a todas as drogas, apenas diferenciando-as em sua categoria, assim:

F10-álcool. F11-opiáceos. F12-canabinóides. F13-sedativos e hipnóticos. F14-cocaina.
F15-estimulantes. F16-alucinógenos. F17-tabaco. F18-solventes voláteis. F19-múltiplas drogas.

Por se tratarem de patologias que se desenvolvem no Sistema Nervoso Central (SNC) cumpre-nos fornecer algumas informações técnicas que possam permitir um melhor entendimento do assunto pelo leitor, não apenas para acompanhar os informes apresentados na seqüência desta apresentação, mas também para atualizar-se com propriedade das novidades divulgadas pela mídia. 
Omitiremos as informações relacionadas aos campos que recentemente adquiriram merecido destaque nas pesquisas, que são os campos da Engenharia Genética e da Biologia Molecular, e isto porque a sua complexidade extrapola as limitações deste trabalho. Diremos, entretanto, que foi a engenharia genética que proporcionou o desenvolvimento das variedades de roedores que, uma vez treinados para isso, dão preferência ao álcool em sua dieta, possibilitando eliminar o inconveniente viés metodológico da administração forçada de álcool, e a biologia molecular que possibilitou um melhor entendimento quanto aos aspectos químicos da transmissão nervosa.
Essas especialidades ganharam extraordinário impulso com o desenvolvimento de novas técnicas de pesquisa, permitindo o esclarecimento de detalhes sobre as modificações químico-estruturais ocorridas durante os processos de adaptação inerentes às dependências químicas, ao mesmo tempo em que puderam propiciar uma visão mais objetiva sobre essas ocorrências clínicas.


Aspectos anatômico-funcionais relacionados

Sob o ponto de vista anatômico-funcional o SNC é constituído por todas as estruturas nervosas que se encontram dentro da caixa craniana ou da coluna vertebral. Na caixa craniana elas constituem o encéfalo, que abrange o cérebro e o tronco cerebral, como numa árvore nós temos a copa e o tronco. Quando observado pelo lado de fora, o cérebro apresenta-se lobos cerebraisconstituido por dois hemisférios quase simétricos. Esses hemisférios são ligados entre si por uma substância branca chamada de corpo caloso. Cada hemisfério é constituido por quatro regiões esternas chamadas lobos cerebrais, a saber: lobo frontal, lobo parietallobo ocipital e lobo temporal, como na figura ao lado. 
A parte anterior do cérebro constitui o cortex pré-frontal, responsável pelo ajuizamento das coisas e pelo comportamento emocional. Ao lado do cérebro, na altura correspondente às nossas têmporas, situa-se o lobo temporal, que sistema limbicocontém internamente a amigdala, um verdadeiro agente receptor emotivo sendo importante na geração do medo, e o hipocampo, gerenciador da memória de ocorrências, chamada memória declarativa, mas representando também um importante papel no controle dos estados afetivos.
Na base do cérebro, em sua parte medial interna, encontramos o giro do cíngulo, peça importante na fisiologia das emoções. 

Entre o cérebro e o tronco cerebral situam-se formações nervosas, o tálamo e o hipotálamo(que constituem a região chamada diencéfalo). 
O hipotálamo é o principal responsavel pelo funcionamento harmônico dos nossos órgãos e o equilíbrio com o meio ambiente (homeostasia), mas o nosso maior interesse é dirigido à sua participação na área emotiva, principalmente no que se refere aos comportamentos motivados, intimamente relacionados às dependências químicas. 
cerebroImediatamente abaixo encontramos o mesencéfalo onde se localizam as formações neurais da Área Tegumentar Ventral ou VTA, de onde partem os impulsos que nos possibilitam sentir as recompensas fundamentais proporcionadas pela satisfação da fome e da sede, necessáriass à subsistência, incluindo as recompensas relacionadas ao sexo. Dessa área partem feixes de neurônios para cima e para a frente, em direção a um núcleo neural situado na base do cérebro, chamado nucleus accumbens, situado logo à frente dos chamados núcleos da base, importantes formações neurais relacionados aos movimentos, entre outras funções (implicados nos tremores da abstinência). O nucleus accumbens participa muito ativamente na fisiologia do prazer e emite projeções nervosas para o cortex pré-frontal que prepara toda a dinâmica do nosso comportamento emocional. Ao conjunto neural formado pelo - VTA (Área tegumentar ventral)-feixe neural-nucleus accumbens - damos o nome decircuito_de_recompensa  Circuito de Recompensa. Sem o Circuito de Recompensa os organismos perderiam o interesse pela vida e se tornariam incapazes de manter um auto-suporte de subsistência ou de atividades reprodutivas, e é justamente nesse Circuito que se faz a interferência mais acentuada das drogas psicoativas no nosso Sistema Nervoso Central. É também no mesencéfalo que se situa a substância negra, área produtora da dopamina, vizinha da áreaNucleos do troncotegumentar ventral. A dopamina, ou simplesmente DOPA, é o neurotransmissor atuante no Circuito de Recompensa e em boa parte das estruturas acima descritas, de tal forma que tais estruturas, num conjunto relacionado com as emoções denominado de Sistema Límbico, é também conhecido como Sistema Dopamínico
No tronco cerebral nós encontraremos mais duas estruturas neurológicas importantes ao nosso estudo: osnúcleos da rafe, (rafe é a prega que une as duas metades do tronco cerebral) implicados na fisiologia do sono e alterações do humor pela síntese do neurotransmissor serotonina, e o locus ceruleus, produtor danoradrenalina relacionada com a atenção e vigília, estresse e pânico.
Resta-nos falar do cerebelo, o qual, como o próprio nome indica, tem a forma de um pequeno cérebro e se localiza na parte posterior do crânio, tendo a função de coordenar os movimentos e promover o equilíbrio necessário à postura e movimentação do corpo. A sua intoxicação pelo álcool resulta no bem conhecido desequilíbrio postural da embriaguez mas, a sua intoxicação recorrente pode causar a chamada ataxia alcoólica que impossibilita a livre deambulação do indivíduo.


O funcionamento do Sistema Nervoso Central

Numa primeira apreciação, poderia-nos ocorrer que os 100 bilhões de neurônios que constituem o Sistema Nervoso Central (SNC), cada qual comunicando-se com outras centenas ou mesmo milhares de outros neurônios, são arrumados em departamentos autônomos, cada departamento com a sua tarefa,Neurônio - Concepção artística Shutterstock como demos a entender, evitando-se dessa forma o caos na comunicação global do SNC, o qual destruiria ou prejudicaria a própria manifestação da consciência do ser, esta dependendo do permanente trabalho solidário da rede interneural. 
Essa aparente super-especialização departamental com exclusividade de funções, entretanto não ocorre, pois segundo o pensamento preponderante entre os neurocientistas, o cérebro funciona no modo distribuído, e não no sistema modular. Há realmente a especialização funcional, mas dentro de contextos integrados e interdependentes. Podemos exemplificar com o atual fenômeno da globalização mundial, onde cada país, mesmo mantendo a sua própria soberania e cultura, é influenciado pelas tendências manifestadas em todo o resto do planeta, como resultado dos grandes avanços técnicos na área da comunicação.
Essa noção é importante em Dependência Química pois, como veremos adiante, a ação das drogas se faz em determinadas áreas do Sistema Nervoso Central, mas repercute em todo o Sistema Nervoso Central, o mesmo ocorrendo com as adaptações neurais necessárias à sobrevivência do indivíduo quando há um uso recorrente de drogas.
 

Os neurônios

O neurônio é a unidade sinalizadora do sistema nervoso e toda a sua estrutura é adaptada para as funções de transmissão eO neurônioprocessamento de sinais. Dessa forma essa célula possui muitas "antenas", filamentos chamados de dendritos, que contêm em sua superfície receptores adequados a receber mensagens de outros neurônios. Estes a transmitem pelosbotões terminais de um prolongamento mais comprido chamadoaxônio. Então num neurônio, os dendritos recebem as mensagens e os axônios a transmitem.Os axônios, em geral, são protegidos por uma capa protetora chamada bainha de mielina, podendo juntar-se uns aos outros formando tratos ou circuitos de comunicação entre locais estratégicos do encéfalo, ou podem se ordenar em feixes constituindo os nervos, que transmitem as ordens do SNC para todo o organismo ou, ao contrário, levam de fora para dentro as informações obtidas pelos órgãos dos sentidos. Além de constituírem os nervos, que transmitem as ordens de comando para  funcionamento de todo o organismo, os axônios representam as vias de comunicação entre as regiões do SNC constituindo a substância branca desse sistema, ao contrário dos corpos celulares que representam a sua substância cinzenta e são responsáveis por todas as outras funções da célula neural, que não as de transmissão e recepção de sinais.

A comunicação entre os neurônios

Entre os neurônios a palavra de ordem é a comunicação. Eles se comunicam uns com os outros, transmitem ordens de ação para todos os órgãos componentes do corpo ou recebem sinais sensoriais com destino ao SNC. Essa comunicação é feita através das Comunicação entre neurôniossinapses, onde o botão terminal do axônio pré-sinático coloca-se à frente do receptor pós-sinático deixando um espaço microscópico entre eles, que chamamos de fenda. O sangue circula por toda a superfície da membrana celular, e portanto, circula pela fenda da sinapse, local estratégico da ação das drogas no Sistema Nervoso Central.
O background  da função neuronal é a eletricidade. Um neurônio conta com dois potenciais elétricos, um potencial de repouso e outro, potencial de ação, que funciona por pulsos elétricos rápidos, seqüentes, de intensidade sempre a mesma, mas podendo apresentar variações de intervalo entre um pulso e outro. A cada pulso deste potencial estabelece-se um contato químico entre um neurônio e outro, ou do neurônio ao tecido que deve receber um comando, da forma como veremos logo adiante.
A neurotransmissãoE de onde vem a eletricidade? Ela é gerada na própria célula, por uma constante troca dos íons através da sua membrana, de certa forma lembrando uma bateria elétrica comum, dessas que funcionam através de íons de níquel, níquel cádmio, lítio etc., só que neste nosso caso os íons são de sódio e potássio, íons positivos, onde, em algumas circunstâncias entra o íon cloro, negativo, que vem atenuar a produção elétrica (veremos em ação do álcool, mais adiante).
Como vimos, existe uma separação física entre as células em decorrência da fenda sinática e, então, a eletricidade de cada célula não se propaga para a outra célula por simples contato. Partindo do afunilamento do corpo celular onde se origina o axônio, e seguindo por este (sempre reabastecendo-se pela troca de sódio e potássio ao longo deste percurso) até o botão terminal, já na sinapse, ela estimula a entrada de íons cálcio para esse botão, processando-se em seguida a liberação dos neurotransmissores para a fenda. Ai então os neurotransmissores tocam e estimulam os seus respectivos receptoresexistentes no neurônio seguinte, chamado pós-sinático, retornando à sua célula mãe onde será reciclado, pois a sua incumbência de transmissão de mensagens, normalmente, é realizada por uma única vez. Alguns neurotransmissores, como a acetilcolina, não retornam à sua célula mãe, sendo dissipados pelo plasma ou desnaturados enzimaticamente.

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