terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

TRANSTORNOS DEPRESIVOS

Circuitaria envolvida com a depressão

A depressão está associada com alterações do humor e alterações emocionais. Determinadas estruturas e circuitarias do encéfalo estão envolvidas com a depressão. O comportamento emocional tem suas bases anatômicas localizadas no sistema límbico, e disfunções deste sistema estão implicadas com a depressão e ação dos antidepressivos. O neuroanatomista James Papez publicou, em 1937, o trabalho no qual propunha explicar o mecanismo da emoção (circuito de Papez). O circuito de Papez foi a resposta à pergunta de como os centros corticais superiores comunicam-se com o hipotálamo. De acordo com o circuito de Papez, as influências corticais são enviadas para o hipotálamo através de projeções do giro do cíngulo para a formação hipocampal. O hipocampo processa a informação que chega e a projeta via fórnix para os corpos mamilares do hipotálamo. O hipotálamo por sua vez, fornece informações ao tálamo através do trato mamilotalâmico e do núcleo anterior do tálamo dorsal ao giro do cíngulo. Embora muitos aspectos de sua teoria não sejam mais aceitos, as estruturas do sistema límbico e suas conexões nas manifestações emocionais esclareceram vários aspectos da fisiologia e da anatomia do comportamento.

O sistema límbico é composto por estruturas e conexões, das quais incluem o giro do cíngulo, fórnix, núcleo anterior do tálamo, trato mamilotalâmico, corpo mamilar, bulbo olfatório, estria olfatória, complexo amigdalóide, hipocampo, formação hipocampal, conexões tálamo-corticais e conexão hipocampal (Figura 5).

Figura 5- Estruturas e conexões que compõem o sistema límbico. 1- Giro do cíngulo. 2- Fórnix. 3- Núcleo anterior do tálamo. 4- Trato mamilotalâmico. 5- Corpo mamilar. 6- Bulbo olfatório. 7- Estria olfatória. 8- Complexo amigdalóide. 9- Hipocampo. 10- Formação hipocampal. 11- Conexões tálamo-corticais. 12- Conexão cortico-hopocampal.

Além destas estruturas e conexões, outras estruturas como o córtex pré-frontal (orbital e dorsolateral), a área septal, núcleo accumbens e o subículo também estão envolvidas com o comportamento emocional.
Com relação às estruturas encefálicas envolvidas na depressão, medidas morfométricas e neuroimagem de cérebrospost-mortem de pacientes com depressão têm sido utilizadas para contribuir no entendimento da relação complexa entre a função de algumas estruturas encefálicas, processamento da emoção e o desenvolvimento da psicopatologia. Resultados mostram que ocorrem reduções no volume do córtex pré-frontal subgenual e orbital, núcleo accumbens, núcleos da base e hipocampo. O dado mais importante dos mesmos é que quanto maior for a duração da depressão, maior será a perda de volume do hipocampo. É importante ressaltar que a atrofia do hipocampo pode ser observada, não somente na depressão, mas também em outras patologias psiquiátricas.

Tratamento da depressão

Cabe mencionar que uma das problemáticas do tratamento com antidepressivos é a latência para que ocorra o efeito desejável. Geralmente este aparece após 3-4 semanas de tratamento contínuo. Estudos apontam que esta demora deve-se às alterações neuroadaptativas necessárias que ocorrem em áreas encefálicas somente após este período de tratamento. Por fim, deve-se salientar que o tratamento psicoterápico é de grande importância no sentido de promover e auxiliar a reorganização psíquica do indivíduo, tanto pela abordagem psicológica como psiquiátrica, podendo ser associado com os medicamentos.

Existem várias opções para o tratamento da depressão, incluindo terapia cognitiva comportamental, psicoterapia interpessoal, medicamentos, terapia eletroconvulsiva e a combinação das terapias com os antidepressivos. O desenvolvimento de drogas específicas para o tratamento da depressão ocorreu no final da década de 50 do século passado, com a descoberta dos IMAO e os antidepressivos tricíclicos. Ambos os mecanismos aumentam a disponibilidade de NA e 5-HT em certas estruturas do encéfalo. Porém, estas duas classes de drogas antidepressivas, além de apresentarem muitos efeitos adversos estão associadas com efeitos secundários devido ao risco de interação com outros medicamentos e alimentos. O lítio, introduzido em 1949, e comumente conhecido como “estabilizador do humor” é utilizado para o tratamento agudo da mania e transtornos bipolares I e II, além de ser utilizado em regimes combinados, ou quando pessoas com depressão não respondem ao tratamento com antidepressivos. A busca de novos medicamentos foi alcançada na década de 80, com os antidepressivos de segunda geração, denominados inibidores seletivos da recaptação de serotonina, sendo atualmente os mais empregados para o tratamento da depressão.

A terapia eletroconvulsiva, introduzida na década de 30, foi o primeiro tratamento efetivo no combate à depressão. O choque elétrico provoca uma convulsão de curto período, sendo que esta convulsão induz a liberação de neurotransmissores, promovendo a estimulação direta de estruturas encefálicas. Todavia, hoje é utilizada como opção de tratamento se os medicamentos existentes não oferecerem uma resposta satisfatória. Outros medicamentos como, por exemplo, os anticonvulsivantes, não apresentam efeitos antidepressivos robustos, mas podem ser úteis em alguns casos em combinação com antidepressivos.

Perspectivas futuras

A ação dos antidepressivos atuais está diretamente ligada ao aumento da disponibilidade de neurotransmissores, principalmente de monoaminas como a 5-HT e NA. Tanto a NA, quanto a 5-HT, se ligam a receptores metabotrópicos, ou seja, receptores acoplados a proteína G, e ativam ou não sistemas de segundos mensageiros. Por exemplo, a ligação da NA em seus receptores acoplados a proteína Gs desencadeia a dissociação da subunidade da proteína G das subunidades Gß e G. A proteína G ativa a enzima adenilato ciclase (AC) induzindo a produção de adenosina monofosfato cíclico (AMPc) a partir do ATP. O aumento do AMPc no citoplasma ativa a proteína cinase A (PKA) dependente do AMPc. Por sua vez, a PKA induz a fosforilação e ativação de várias proteínas, como a proteína ligante do elemento de resposta ao AMPc (CREB do inglês, cAMP response element binding protein) que regula a expressão de fatores neurotróficos, incluindo o BDNF. No caso da 5-HT, esta pode se ligar a outro tipo de proteína G, dependendo do tipo de receptor ativado, por exemplo, a proteína Gq. Assim, a ligação deste neurotransmissor em alguns de seus subtipos de receptores, dissocia a subunidade G que se liga e ativa a fosfolipase C (PLC). A PLC catalisa o fosfatidil inositol bifosfato (PIP2) dando origem aos segundos mensageiros diacilglicerol (DAG) e trifosfato de inositol (IP3). O IP3 induz a liberação de Ca2+ estocado no retículo endoplasmático para o citoplasma e o DAG ativa a proteína cinase C (PKC). A PKC induz a fosforilação e ativação de outras proteínas e também do fator de transcrição CREB, que sintetiza fatores neurotróficos, como por exemplo, o BDNF (Figura 6).

Figura 6- Provável mecanismo de ação do tratamento crônico com antidepressivos inibidores seletivos da recaptação de serotonina e noradrenalina (ISRSNA). A inibição crônica dos transportadores de noradrenalina (NAT) e serotonina (5-HTT) aumenta a disponibilidade dos neurotransmissores NA e 5-HT. Consequentemente, estes irão atuar em seus respectivos receptores metabotrópicos pós-sinápticos produzindo os segundos mensageiros AMPc, através da adenilato ciclase (AC), e trifosfato de inositol (IP3) e diacilglicerol DAG pela fosfolipase C (PLC). Os segundos mensageiros AMPc e DAG ativam as proteínas cinases A e C (PKA e PKC, respectivamente), induzindo a fosforilação e ativação do fator de transcrição da proteína ligante do elemento de resposta ao AMPc (CREB), além de outras proteínas. A CREB sintetiza fatores neurotróficos, como por exemplo, o fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF) envolvido no desenvolvimento, regeneração de neurônios, plasticidade sináptica e neurogênese.

Muitos estudos estão sendo realizados com o propósito de investigar os mecanismos de ação dos antidepressivos, sendo um dos focos principais a expressão do fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF do inglês, brain-derived neurotrophic factor), encontrado em grandes quantidades no sistema límbico.

No encéfalo, o BDNF está envolvido no desenvolvimento e regeneração de neurônios, plasticidade sináptica e neurogênese. Pode ser mensurado no sangue, mais precisamente em plaquetas, como também em amostras de encéfalos post-mortem. Vários estudos têm revelado que ocorre uma diminuição dos níveis do BDNF no sangue de pessoas com depressão e que a expressão do BDNF é diminuída pelo estresse e glicocorticóides no hipocampo. É possível que a ação dos antidepressivos induz neurogênese de neurônios no hipocampo, particularmente no giro denteado, devido ao aumento da síntese de BDNF e de seu receptor do tipo tirosina cinase B (TrkB).

Estudos em modelos experimentais de depressão mostram que o BDNF quando injetado no hipocampo e núcleos da rafe, apresenta efeito similar ao dos antidepressivos com relação à melhora de comportamentos depressivos e também promovendo a neurogênese. Entretanto, quando o BDNF é injetado na área tegmental ventral, via dopaminérgica mesolímbica relacionada ao comportamento de recompensa e motivação, não é observado o mesmo efeito.

Outras evidências indicam que o BDNF induz efeito trófico na neurotransmissão serotoninérgica e noradrenérgica. A injeção do BDNF no córtex, núcleo accumbens, locus coeruleus, estriado, substância negra, hipocampo e hipotálamo estimula a taxa de renovação e síntese da 5-HT e no neocórtex, núcleos basais e hipocampo aumenta os níveis de noradrenalina.

Como foi visto até aqui, são vários os tipos de depressão, como também várias opções de tratamento. A farmacoterapia aliada à psicoterapia caminham juntas melhorando o estado depressivo do indivíduo. A problemática é o diagnóstico da depressão e o medicamento correto a ser administrado. Assim, muitos estudos têm sido conduzidos a fim de se entender as alterações que ocorrem em encéfalos de pacientes tratados e não tratados para que no futuro possam ser desenvolvidos medicamentos com mecanismos de ação mais seletivos e eficazes, minimizando os efeitos adversos e restabelecendo o funcionamento normal do cérebro.


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